domingo, 23 de março de 2014

A água é da Humanidade!


Se eu não fosse temente a Deus,
Perguntava-Lhe, humildemente:
Senhor, porque são os filhos teus,
E sempre os mais pobres e aflitos,
A pagarem benesses aos ricos?

Sim, perguntar-Lhe-ia eu:
Porque são sempre esses,
A pagar a tanto figurão,
Cercado de mordomias,
Que vive do alheio, todos os dias,
Sem haver para isso uma razão?

Penso nisto, Senhor,
Do fundo do meu coração,
E creio que não esteja bem.
Porque há os que não têm o coração no peito,
Mas sim na palma da mão, onde lhes dá mais jeito…

E a minha mágoa aumenta de dureza,
Quando um Elemento da Natureza,
Como é a Água, possa ser oferecido,
Sem razão nem sentido, a cidadãos
Que juram que ela, em suas mãos,
Vai ser tratada e distribuída com equidade,
Na plenitude da liberdade! 

E dizem mais, esses malabaristas.
Dizem que os surfistas,
Terão sempre as ondas do mar,
Para surfar.
E que nos campos golfistas,
Não faltará, também,
A água dos lençóis freáticos,
Guardada no ventre da Terra-Mãe,
Há milhões de anos,
Para poderem praticar o golfe, 
Com arte e sem enganos...

Enquanto dizem ao povo humilde,
Que a chuva é, de facto, uma dádiva de Deus!...
Mas que não tenham receio de ficar sem água,
Porque eles tomarão as medidas necessárias,
Normais e extraordinárias,
Gastando os seus dinheiros,
Com sábios, técnicos e engenheiros,
Para que a água não falte no mar,
Nem nos rios, nem nos ribeiros...

Tão poluídos que estão eles e o ar.
Coisa que não querem que aconteça,
E, por isso, a água deve ser sua pertença,
Porque são eles que a sabem cuidar…

Ora, Senhor, isto custa-me a suportar,
Sem que se opere em mim uma revolta, sem fim,
Que me faz desesperar.
Ao ver tamanha desfaçatez,
Que me provoca, por sua vez,
Uma mágoa que não passa.
Porque a água, Senhor,
Dá-La Tu, a todos, de graça!
E, por isso,
Deve ser de toda a Humanidade.

E por todos repartida,
Com amor e equidade,
Porque sem água não há vida,
E sem vida não há Humanidade!

Mas, Senhor,
Fazer compreender isto ao agiota que passa,
Só com a Tua divina graça.
Porque ele quer tudo,
Sem se importar com a desgraça,
Dos desprotegidos da raça humana.

E pior que tudo isto, Senhor,
É ele pensar que até a Ti engana!...
 


22 de Março – Dia Mundial da Água

sexta-feira, 21 de março de 2014

Escrever Poesia...


                                                     

Então, pego numa folha de papel,
E começo a escrever Poesia,
Absorto nos pensamentos,
Alheado da fantasia.

Escrevo uma página inteira.
Depois, escrevo outra, e outra...
Tantas páginas a escrever!
Como se o mundo não existisse,
Nem eu fizesse parte dele.

Acordo já noite avançada,
E então leio e medito:
Que Poesia posso eu escrever,
Que palavras posso eu dizer,
Que outros não tenham dito?

Sim. Que posso eu poetar,
Que os Poetas não tenham escrito?
Que posso eu, pobre coitado,
Emprestar à Poesia,
Que os Poetas não tenham cantado:
A Mãe e o Amor; as Estrelas e o Mar;
A Família e os Amigos; a Lua e o luar;
A Guerra e a Paz; os Mártires e os Heróis;
A Sorte e o Azar; a Vida e a Morte;
O Céu e a Natureza; a Vileza e a Palavra honrada;
A Morte e a Dignidade; o Amante e a Amada;
O Velho e a Criança; a Fé e a Esperança;
O Pecado e a Justiça; a Diligência e a Preguiça...

Enfim,
Já tudo foi escrito e dito,
Cantado e poetado,
Sem ser por mim,
Sem se gastarem as palavras.

Então que posso eu dar à Poesia,
Que outros não lhe tenham dado?

Mas depois pensei comigo assim:
Ah!, já sei, dou-lhe o meu coração.
Porque esse, ninguém lho pode dar por mim!

               Livro “ O Acordar das Emoções” - Tartaruga               

quarta-feira, 19 de março de 2014

O Amor de Pai




O Pai é aquela outra Mãe,
Sem útero nem placenta,
Que com o seu suor alimenta
Os filhos, a quem quer bem.  

Ah!, como me lembro do meu,
Quando me lançava ao ar,
Como se eu fosse um anjo alado,
A sorrir para ele e a brincar,
No seu peito, tão amado.

Por isso, Pai,
Eu gosto muito de ti.
E imagino-te no Céu,
Onde lês este poema meu.

Poema que li aos teus netos,
Aos quais também fiz igual.
Para mantermos despertos,
Os afectos do amor paternal.

Amor belo e profundo,
É o amor paternal.
Que não há maior no Mundo,
E só os pais têm para dar.



As estações do Ano




Aqui, nesta galáxia, neste lugar,
Pela mão de um Deus divino,
Anda tanta vida a pulsar,
Num movimento suave e fino,
Numa profusão de luz e cor,
Cantando hinos de amor,
Que não sabemos escutar.

E faz pena, não sabermos meditar,
Nos dons que a Natureza contém.
E, por alheamento e desdém,
Nos enredamos na teia que urdimos,
Segundo a segundo,
Sem tempo para um fraterno abraço,
Que abarcasse todo o Mundo.

Mas eu vou dar asas à minha quimera,
E dizer com verdade, e sem engano,
Quão lindas são a Primavera,
E as outras Estações do ano.     
 
A Primavera.
Oh, que coisa tão bela é a Primavera!
Deixa que te fale dela:
Espaço de tempo, ciclo de criação,
Campos floridos,
Com cheiros que extasiam os sentidos,
E correntes de água cristalina,
Por cachoeiras a saltitar,
Ao encontro do doce mar.
Pelo meio de árvores,
Vestidas de flores e frutos,
E de aves a cantar,
Junto de crisálidas aladas,
Que voam ao encontro da luz,
Que irradia da sombra das suas asas.
E da formiga diligente,  
Que acaricia o abdómen do pulgão,
Enquanto a libélula beija o nenúfar,
À espera do Verão!

Verão,
Tempo de magia.
Quando as crianças pobres, de sorriso no rosto,
Adormecem nuas, à sombra do luar de Agosto,
E sonham com anjos alados ao romper do dia.

Tempo do campo ceifado,
E de arcas cheias de pão sagrado.
Que o homem recolheu,
Observando mariposas,
A dançar no céu.

Época de mares de gente, expondo opulências,
Em areias finas, da erosão do tempo,
Que o vento soprou e o rio levou.

E de danças, em eirados e salões.
E de passeios, entre o céu e o mar,
Em iates e aviões, em dias e noites sem sono,
Em paradisíacas praias de orgias,
Em esplanadas de luar, á espera do Outono.

Outono.
Com tardes curtas e folhas soltas,
De árvores que se desnudam, com o assobiar do vento,
E dançam com a chuva, peneirando a neve,
No cume da montanha, onde a águia-real,
Paira sobre o vale.

Enquanto na adega se prova o vinho,
Em dia de São Martinho,
Com o sabor da castanha assada.
E a coruja mira o sino,
Da torre engalanada.
E o grilo cala o pio.
E a cobra se enrola,
Com medo do Inverno.

Inverno de prendas e agasalhos.
De recolhimento e de Natais.
E de florestas com frio,
E de rios em vales dormentes,
Cantando versos dolentes,
A caminho do mar.
Enquanto pais e filhos escutam os avós,
Ao calor da mística lareira,
Onde se chora a morte e festeja a vida,
Ao som de canções e orações,
Abrigados dos ventos gelados,
Que sopram nos humildes telhados,
Dos casebres onde se ceia à luz da vela,
Enquanto se aguarda a chegada da Primavera.

Primavera que há-de chegar,
Quando Março surgir,
Para o ciclo recomeçar.


(Publicado no livro " O Acordar das Emoções"  - Tartaruga)