segunda-feira, 30 de junho de 2014

Duas Romãs Vermelhas

De passo leve, e sorriso de menina,
Passeavas o encanto da tua juventude,
No esplendor da inocência cristalina.

E os teus seios virgens, cheios de virtude,
Faziam-me lembrar duas romãs coradas
A saltitar em salvas de prata, cinzeladas,
Alheios à cobiça de olhares fortuitos
E de mãos ávidas de acariciar teus frutos.

Mas tu passavas e voltavas a passar,
Na fogosidade da mocidade desprendida,
Sem te dares ao cuidado de me olhar,
Quando te pavoneavas pela avenida,
De sapatos leves no pé, a dar a dar,
E gestos graciosos da cintura,
Projectados no meu peito a palpitar.

E era assim, nessa graça desprendida,
Que os teus seios me faziam lembrar
Duas romãs vermelhas,
Numa taça de prata cinzelada, a saltitar!


( Publicado no livro: "Passagens e Afectos" - Tartaruga Editora )



quinta-feira, 12 de junho de 2014

Dia de Portugal


 
Vens de longe e tens no peito o teu passado,
Cheio de lutas, missões, feitos e glória.
De quantos com bravura fizeram a tua História,
E agora repousam no teu chão sagrado.

Homens e mulheres, marinheiros e poetas,
Que zarparam de um rio para vencer o mar.
Em frágeis barcaças que o vento fez voar,
Num mundo desconhecido, de portas abertas,

Para dizerem a outras gentes, a outras raças,
Que traziam com eles não só a cruz de Cristo,
Mas também afiadas espadas nas barcaças.

Quando aportavam a outros portos, noutros cais,
Onde semearam genes e crenças de Portugal,
E agora jazem em ti veros heróis imortais


           10 de Junho de 2014

(Soneto do meu novo livro de poesia, a publicar em 2014)

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Outro Dia de Portugal!


 
Disseram-me, que hoje
Ia ser o Dia de Portugal.
Levantei-me cedo, abri a janela,
E olhei em frente, para o pálido telhado,
E vi que o sol estava ausente,
E o dia triste e embaciado.

Então interroguei-me, ao ver o dia triste,
Como estava eu, tal qual:
Mas será que hoje é o dia do Portugal,
Que piedosos santos e bravos marinheiros
Construíram, com lágrimas de saudade e sal,
Quando partiram em frágeis barcos pioneiros,
Para abrirem caminhos no deserto mar,
Por esse mundo além, a marear?

Sim. Será este o dia do Portugal
Da porta escancarada e aberta,
Daquela madrugada triunfal,
Que nos cantou a poeta?

Do Portugal que nossos avós ousaram construir, dia a dia,
Com trabalho e equidade, em paz e liberdade,
Com a sua sábia sabedoria?

Ou será um Portugal outro,
Neste mundo avaro e louco,
Onde se mandam emigrar,
Os melhores de todos nós,
Como no tempo dos nossos avós?

Um Portugal maneirinho,
Desde o Algarve até ao Minho...

Um Portugal sem esperança e ambição,
De ombrear com qualquer outra nação,
Que tenha orgulho no seu povo secular?

Depois de tanta interrogação,
Triste e o coração dorido,
Abri novamente a minha janela.
E o que vi, através dela,
Foi andorinhas migrantes,
Vestidas de branco e luto,
A voarem rente ao chão,
Escorregadio e enxuto!

Enquanto lá longe, olhando para outro lado,
Alguém de peito medalhado,
Carregando mérito e valor,
Talvez não saiba, não,
Que há andorinhas vestidas de branco e luto,
Que rasam o chão da minha rua, escorregadio e enxuto,
Preparando a dolorosa emigração!

Ou quem sabe, se por sinal,
Há quem não conheça as andorinhas da minha rua.
Há quem não conheça Portugal!


      10 de Junho de 2013


quarta-feira, 4 de junho de 2014

… E as Lavadeiras Alquimistas



Eram famílias inteiras, das aldeias vizinhas do rio,
as que, findas as colheitas dos cereais, tinham brio
em ir lavar as roupas de linho e do enxoval
aos poços do rio, com mais baixios e fino areal.

E quando iam para lá, levavam animais
domésticos, alguns víveres, e tudo o mais
que, em circunstâncias tais, a ausência exigia.
E, cantando e rindo, davam largas à sua alegria.

Depois, chegados às margens acolhedoras do rio,
debaixo de árvores frondosas, instalavam o acampamento
rudimentar, em desalinho, com trapos e mantas de lã.
Onde dormiam pais e filhos, de pés e cabeças virados
uns para os outros, desde o anoitecer até ao clarear da manhã.

Aquilo, para os mais jovens, eram ocasiões de pura magia:
dormirem ao relento junto dos pais, alegres e brincalhões,
que lhe contavam histórias do rio, como se fossem seus guardiões.

E pela manhã, quando o sol aquecia as águas calmas do rio,
iam com eles nadar, enquanto as mães lavavam o linho
e os enxovais das filhas casadoiras, e os peixinhos, como na lenda,
lhes mordiscavam as pernas submersas na corrente do rio,
que ia ao encontro do Douro, levando consigo segredos de amor,
que os lençóis confiavam ao mui nobre e leal rio Sabor.

Depois, ao cair da tarde, quando o astro-rei apontava ao Ocaso,
as lavadeiras acendiam a fornalha e colocavam as caldeiras
de cobre em cima de trempes, quais alquimistas verdadeiras,
para mergulharem as roupas manchadas nas cinzas ferventes,
para serem novamente ensaboadas e postas a corar, nas correntes
do relento da noite, e a secar ao sol doirado da manhã seguinte,
até ficarem alvas e depuradas, cheias de requinte.

E era assim que passavam os dias e as noites, as lavadeiras do Sabor.
Purificando sorrisos e lágrimas, vertidas em actos de pranto ou de amor,
impregnados nos lençóis de linho. Fruto do trabalho e do suor
com que os lavradores preparam os campos dos linhais,
nas terras fecundas das aldeias de Lagoa, de Talhas e de Morais.

E findas as tarefas, despediam-se do rio e regressavam ao lar.
Com a certeza que no ano seguinte, se os deuses do Sabor
o permitissem, lá iam voltar, com o mesmo carinho e amor,
para lavarem outros sorrisos e outros lençóis de linho,
manchados em actos ternos do amor fraternal e divino.


(Publicado no Livro: "Homenagem ao Rio Sabor" - Tartaruga Editora) 


                      Dia 5 de Junho - Dia Mundial do Ambiente