terça-feira, 8 de agosto de 2017

O meu gato e o meu cão




Lá em casa todos tínhamos nome,
Excepto o gato.
Esse era o gato, ou, quanto muito, o miau.
E como bom felino que era,
Não tinha cara de mau, não,
Embora se julgasse o patrão...

A ronronar, junto da lareira,
Se alguém o pisava,
Virava as unhas e arranhava...
Ou então,
Se eu lhe mostrava o sapato,
E lhe dizia: sape gato, seu mandrião!
Ele corria para a gateira,  
E ia para o palheiro,
A murar ratos, o dia inteiro.

Mas, valha a verdade,
Despesa também não dava.
Comer, só os ratos que caçava.
E ir ao veterinário?
Bom, como assim,
Se não havia médico para mim!

Já o meu cão, esse era outra loiça!
Era um perdigueiro, de dois narizes,
E íamos os dois à caça das perdizes...
E se por descuido eu o pisava,
Ele queixava-se, com a dor,
E triste olhava para mim, e assim ficava...
Até que eu, com carinho e amor,
Lhe fazia uma festa na cabeça,
E ele abanava o rabo de contente,
Ainda por cima,
E continuava a nossa estima...

Fomos, muitas vezes, cúmplices,
Quando íamos no encalço das perdizes.
Ele, com o vento nos narizes,
Sabia melhor do que eu onde elas estavam!
E disso, dava-me sinal:
Cabeça prá frente, bem esticada,
Pata no ar, levantada,
Nem tossia nem mugia.
Ficava tal e qual,
Até que eu lhe dizia:
Vai lá, Nero...
Então ele dava a esticada,
A perdiz levantava,
E, algumas vezes, caía...

E quando a perdiz caía,
Como ma entregava contente!
Então eu recebia-a,
Cuspia-lhe no nariz,
Fazia-lhe festas na cabeça,
E ele abanava o rabo,
E assim agradecia...

Finou-se com a idade, o meu Nero.
E no dia que ele morreu,
Primeiro chorou ele, 
E depois chorei eu.

In livro “ Memórias e Divagações” – Tartaruga Editora.