domingo, 30 de setembro de 2018

No Cais Junto ao Rio



Aqui, junto ao Rio,
Ergue-se o Cais,
Por onde passou, gélido e frio,
O coração de mães e pais,
No último adeus menino,
Da minha geração.
Quando, entregue ao destino,
Partia no cumprimento da Missão.

Para mais à frente,
Além-mar,
Noutros Portos,
Em outros Cais,
Alguém lhe ordenar,
Com voz firme, obedecida:
- Em frente, marchar, marchar,
Até a Missão ser cumprida.

Quando para trás,
No alto mar,
Lançado em segredo,
Ficava sepultado o medo,
Da idade sem medo.

E mais à frente, no mato,
Pacífico e longo,
Se ouvir, entre picadas e o capim,
A lei das armas, a dançar com a morte,
Em Nambuangongo.

E depois, mais tarde,
A este Cais de partida,
Nem todos regressaram com vida,
Dessa ingrata missão.
A que uns disseram sim,
E outros disseram não.

In Livro: “ Memórias e Divagações” -  Poética Edições



terça-feira, 25 de setembro de 2018

O abandono (A porta)




            O abandono
              (A porta)



                                 
Começaste árvore, sombra, companhia.
Criaste frutos, ofereceste alimento.
Depois, morta, serrada e oprimida,
O artífice fez-te instrumento.

Polida, tiveste outra cor.
Testemunhaste sorrisos e dor,
Ouviste segredos de amor,
Serviste de guarida e prisão,
E agora, velha e apodrecida,
Jazeres, tombada no chão!
 
      (uma porta na minha aldeia)

João de Deus Rodrigues

In Livro " O Clamor dos Campos" - Colibri Edições.




quinta-feira, 6 de setembro de 2018

A cozinha da minha infância

A Cozinha da Minha Infância
Era um espaço amplo de paredes nuas,
Matizadas pelo fumo da lenha ao longo dos anos.
Tinha ao lado o forno de cozer o pão centeio,
E a torreira, separada por escanos de madeira,
Que serviam de mesa e repouso, de permeio.
E ao fundo dois tições de carrasco no trasfogueiro,
Encimados pelas varas do fumeiro,
E potes de ferro, com três pés, corroídos da idade.
Ao lado, sobre o escano, a escrinha do pão centeio.
E guarda-loiças, com cântaros de barro,
Que completavam o recheio.

Era um espaço mítico,
Onde se chorava a morte
E festejava a vida.
E à mesa se agradecia ao Senhor o abençoado pão,
E se escutavam os mais velhos, com redobrada atenção.

Onde, à volta da fogueira,
Três gerações em amena cavaqueira,
Passavam os serões,
Das noites frias de Inverno,
À luz da candeia.

Eram assim os locais,
De salutar convivência,
Na minha aldeia de Morais.

In Livro: "O clamor dos campos" - Colibri Editora

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Gosto da minha cidade


Gosto da minha cidade!
Por isso, emprestei-me a ela,
E ela quis-me como um filho seu,
Sem limites.
Por isso, a cidade é minha também,
E eu sou dela, por esse motivo.
O Tejo,
O Castelo de São Jorge,
O Cais das colunas,
Os monumentos de Belém,
Os estádios de futebol,
O elétrico 28,
O Poço do Borratem,
Os bancos dos jardins,
E o mais que ela tem,
Tudo isto foi meu,
Em algum instante,
No espaço dos meus passos.

Mas, mesmo assim,
Gosto do silêncio das pedras,
Do cheiro da terra,
Do brilho das estrelas,
Do perfume da serra,
E do cantar das águas.

Porque eu,
Primeiro,
Sou filho das fragas!

In Livro “Memórias e Divagações” – Poética Edições.
 (poema alterado)