Passam os anos, ficam as recordações. E
recordar é bom. Com que saudades recordo os Natais passados em casa dos meus
avós maternos e na dos meus pais. O Natal era, por excelência, a festa da
Família. Embora houvesse casas onde as iguarias abundavam mais do que noutras. Porém,
em todas se comia polvo e cantava “o
Menino”.
A
noite de Natal em casa dos meus avós era, pelo número de pessoas à mesa,
diferente da casa dos meus pais. Lá havia pais, filhos, netos e criados, todos
sentados à mesma mesa, a cear. Ceia constituída por batatas, rábanos, couve
troncha, bacalhau e polvo, de meia cura, cozidos ao lume, nos potes de ferro, e
regados com azeite e acompanhados com vinho, que os homens bebiam… E depois a
criada Merência levava para a mesa, nas travessas de loiça de Sacavém…
Contudo,
antes de se dar início à ceia o meu avô Luciano dava Graças a Deus, e no fim
comiam-se as filhós e as rabanadas. Em seguida, iam todos sentar-se à volta da
lareira. Nos enormes escanos de madeira, escurecidos pelo fumo e pelos anos, e cantavam
“o” Menino: “Chora, chora, meu Menino,/
que a mãezinha logo vem/ foi lavar os cueirinhos/ à fontinha de Belém!...”
Isto
durava até de madrugada, mas eu, sentado no colo do meu avô, cedo adormecia, e
a minha avó Merência levava-me à cama, e findava, para mim, a noite de Natal,
sem brinquedos nem sapatinho na chaminé...
Este
ritual, de cantar canções de Natal à lareira, durava até ao dia 6 de Janeiro,
dia de Reis. E, nessa noite, as canções já eram diferentes: “já os três reis são chegados/ à porta do
Oriente/visitar o Deus Menino/ nosso Deus Omnipotente/”…
Era
assim, que se passava a quadra natalícia na aldeia de Talhas, no século
passado.
Mas
as minhas recordações do Natal, a partir dos nove anos, em casa dos meus pais,
são diferentes. Aqui, recordo-me de o meu pai ir ao “soto” do Choupina comprar
o bacalhau e o polvo, de meia cura. Que chegava à aldeia dentro de cestos de
cana, e tinha um cheiro desagradável, até que a minha mãe o passava por água e
batia com ele numa pedra, para perder areia, e depois o cozia e ficava macio e saboroso...
O
polvo, o congro e o bacalhau eram as principais iguarias que iam para a mesa,
na ceia de Natal, acompanhadas com batatas, rábanos, couves tronchas, pão e
vinho. E, no fim da ceia, comíamos polvo frito, passado por ovo, e rabanadas e
filhós.
Rabanadas
e filhós, que a minha mãe tinha feito durante o dia. Como me recordo, ainda, de
a ver atarefada a amassá-las e a fritá-las em azeite, ao lume, e eu a pôr o açúcar
por cima delas, enquanto comia a primeira…
Pelas
vinte horas ceávamos à lareira, e depois cantávamos as mesmas canções que se
cantavam em casa dos meus avós. À meia-noite íamos à missa do galo e a beijar o Menino, como se dizia. Chegados a casa, íamo-nos deitar.
Em
Morais, a minha aldeia, também não havia prendas nem sapatos na chaminé, As
únicas prendas que havia eram rebuçados para as crianças. Os chamados rebuçados
do céu… Isto, até que os filhos não davam pela “marosca”. Os rebuçados compravam-se em Macedo, para serem
diferentes dos que se vendiam no “soto” da aldeia, e os pais deixavam-nos ficar
no quarto deles, depois da missa do Galo, e diziam-lhes que eram os rebuçados
do céu, que o Menino Jesus lhes tinha trazido por se portarem bem… Eles, de
manhã, encontravam-nos e iam a correr dar um ao pai e outro à mãe: tomem lá um rebuçado do céu! Eu portei-me
bem, se não o Menino Jesus não mos tinha trazido…Isto durava até que os
filhos apanhavam os pais no quarto, a deixar os rebuçados, e lhes diziam: “ó meu pai, então o senhor é que é o Menino
Jesus!...” Os pais, embaraçados, diziam-lhes a verdade, e terminava assim o
sonho mais lindo das crianças da minha geração, incluindo eu.
João de Deus Rodrigues.
João de Deus Rodrigues.
Muito interessante. Eu ainda sou do tempo do menino Jesus. Era ele e não o pai natal que trazia as prendas aos meninos que se portavam bem.
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