quarta-feira, 4 de junho de 2014

… E as Lavadeiras Alquimistas



Eram famílias inteiras, das aldeias vizinhas do rio,
as que, findas as colheitas dos cereais, tinham brio
em ir lavar as roupas de linho e do enxoval
aos poços do rio, com mais baixios e fino areal.

E quando iam para lá, levavam animais
domésticos, alguns víveres, e tudo o mais
que, em circunstâncias tais, a ausência exigia.
E, cantando e rindo, davam largas à sua alegria.

Depois, chegados às margens acolhedoras do rio,
debaixo de árvores frondosas, instalavam o acampamento
rudimentar, em desalinho, com trapos e mantas de lã.
Onde dormiam pais e filhos, de pés e cabeças virados
uns para os outros, desde o anoitecer até ao clarear da manhã.

Aquilo, para os mais jovens, eram ocasiões de pura magia:
dormirem ao relento junto dos pais, alegres e brincalhões,
que lhe contavam histórias do rio, como se fossem seus guardiões.

E pela manhã, quando o sol aquecia as águas calmas do rio,
iam com eles nadar, enquanto as mães lavavam o linho
e os enxovais das filhas casadoiras, e os peixinhos, como na lenda,
lhes mordiscavam as pernas submersas na corrente do rio,
que ia ao encontro do Douro, levando consigo segredos de amor,
que os lençóis confiavam ao mui nobre e leal rio Sabor.

Depois, ao cair da tarde, quando o astro-rei apontava ao Ocaso,
as lavadeiras acendiam a fornalha e colocavam as caldeiras
de cobre em cima de trempes, quais alquimistas verdadeiras,
para mergulharem as roupas manchadas nas cinzas ferventes,
para serem novamente ensaboadas e postas a corar, nas correntes
do relento da noite, e a secar ao sol doirado da manhã seguinte,
até ficarem alvas e depuradas, cheias de requinte.

E era assim que passavam os dias e as noites, as lavadeiras do Sabor.
Purificando sorrisos e lágrimas, vertidas em actos de pranto ou de amor,
impregnados nos lençóis de linho. Fruto do trabalho e do suor
com que os lavradores preparam os campos dos linhais,
nas terras fecundas das aldeias de Lagoa, de Talhas e de Morais.

E findas as tarefas, despediam-se do rio e regressavam ao lar.
Com a certeza que no ano seguinte, se os deuses do Sabor
o permitissem, lá iam voltar, com o mesmo carinho e amor,
para lavarem outros sorrisos e outros lençóis de linho,
manchados em actos ternos do amor fraternal e divino.


(Publicado no Livro: "Homenagem ao Rio Sabor" - Tartaruga Editora) 


                      Dia 5 de Junho - Dia Mundial do Ambiente

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