domingo, 5 de janeiro de 2014

A Hora da Inocência

Diz-me a alma, e é minha convicção,
Que fui concebido em campo aberto.
No compasso duma seara a ondular,
Num planalto, sobranceiro ao vale,
Na luz contemplativa da montanha.
Onde pulsavam águas cristalinas,
Para os namorados verem o amor
Reflectido, nos impulsos da paixão.

E que foi no instante em que junto à Fonte,
Sobre uma giesta florida,
Um anjo cantava, de braços abertos,
Odes de louvor ao surgir da vida.
Enquanto em baixo o Vale,
Abraçado ao rio a caminho do mar,
Adormecia ao som de papoilas encarnadas,
E de rãs a coaxar, em nenúfares risonhos,
Numa aragem do vento deleitado
A beijar flores, de pétalas viçosas,
Entre odores e sonhos.

E que foi aí, nesse Éden,
Que travei a primeira batalha
E venci o âmago da minha mãe.
Ao som de anjos a cantar,
Junto de um rio, filho do mar.
Num sublime instante de quimera,
No alvor da Primavera.


(Publicado no livro "Passagens e Afectos" - Tartaruga)